bate-bola

As melhores entrevistas do basquete feminino no Brasil

quinta-feira, junho 14, 2007

Melchiades Filho

1) Como surgiu o seu interesse pelo basquete?

Do nada. Sinceramente, não me lembro de nenhuma razão. Bem, na minha infância, na década de 70, o basquete brasileiro vivia uma fase excitante, de muita renovação. Eu poderia teorizar e dizer a você que posso ter embarcado nessa onda, no vácuo de Oscar, Marcel, Hortência e Paula. Mas acho que a história não foi bem essa, pois o meu ídolo na época era o Adílson, um ala extraodinário e que já era um veterano... Na virada para os anos 80, a paixão sem motivos virou obsessão. Eu passei a consumir tudo o que os jornais e a TV ofereciam: a explosão do Sírio, a rivalidade com o basquete iugoslavo (então, superofensivo), o duelo Hortência x Paula, o choro de Oscar, o campeonato universitário norte-americano na TV Cultura etc. Quando pus um pouco de juízo na cabeça, o estrago já estava (bem) feito. E, ademais, não há mesmo nenhum esporte coletivo que se aproxime do basquete na combinação de técnica, estratégia e vigor físico, certo?

2) Você começou na FOLHA escrevendo já sobre basquete?


Não. Comecei no jornal em 1987 como repórter de Economia. Fui editor-adjunto de Mundo, correspondente em Washington e redator da Primeira Página antes de assumir o comando da editoria de Esporte, em 1993. A coluna de basquete, escrevo há quatro anos.

3) Toda vez que se discute o espaço que os outros esportes tem na imprensa em comparação com o futebol, os argumentos parecem ser os mesmos de quando o prato principal é a 'bundalização' da nossa música ou o baixo nível da TV: é o que o povo gosta. Ainda não é pequeno o espaço concedido aos outros esportes, e principalmente ao basquete nacional?

Você está certo. O leitor tem cada vez menos tempo para ler o(s) jornal(is). Por isso, existe, sim, na mídia essa preocupação em atender o interesse dele. Tanto que são feitas pesquisas regulares para saber o que ele quer ler. No caso dos esportes, o basquete aparece hoje na quinta colocação do ranking levantado pelo Datafolha, atrás do futebol, do vôlei, do automobilismo e do tênis. Como disse, essa preocupação faz sentido _e o editor não pode descartá-la. Mas, por ser "confortável", essa fórmula pode anestesiar o jornalista e emburrecer o produto. Na Folha, ao contrário de alguns concorrentes, não há uma "ditadura do leitor". Afinal, se eu quisesse agradar a maioria, teria de dar sempre a capa do caderno para o dia-a-dia do Corinthians... Então, por que o basquete não ganha mais espaço? Por vários outros motivos: -- Primeiro, porque há pouco interesse de torcedores (não só dos leitores do jornal). Uma corrida de stock-car em Interlagos, por exemplo, reúne num único domingo mais gente do que toda uma rodada do Nacional masculino. -- Segundo, porque o esporte não vive uma boa fase técnica. Os campeonatos ainda são incipientes; a seleção masculina não vai a Sydney; o maior ídolo tem 42 anos... -- Terceiro, porque a competição por espaço impresso aumentou. O tênis vive um boom, graças ao Kuerten. A F-1 voltou, com Barichello na Ferrari (e na Globo...). A natação está no auge. Os esportes de ação tornaram-se realidade. E por aí afora. -- Quarto, porque, com a concorrência dos eventos ao vivo na TV, cada vez mais acirrada, os jornais têm de se diferenciar. Não faz sentido ficar no rame-rame de apresentar-relatar jogos. É por isso que a Folha, também por gozar de independência editorial, investe muito em reportagens sobre o mundo extracampo (ou extraquadra): o bastidor político, o negócio, as tendências, as inovações tecnológicas etc. E o basquete brasileiro oferece poucas histórias desse gênero. Está morto na raiz.

4) Você acha que a gestão do Grego tirou o basquete nacional de um possível colapso ou só o postergou?

A CBB promoveu iniciativas interessantes, como a garantia dos campeonatos nacionais, a criação de torneios estudantis e a revitalização da seleção juvenil. Mas, em termos estratégicos, é pouco. O basquete teve uma chance de ouro para ressurgir, na época do real forte _e a desperdiçou. Além disso, o principal "tiro" da CBB (ainda?) não deu certo. Apesar de tanto auê, a investida no Rio foi desastrada. O basquete simplesmente não "colou" na cidade. O Fluminense foi campeão no feminino _e fechou o time um mês depois. O Vasco, vice-campeão mundial, ganhou o título sul-americano, mas encabulou os organizadores com um público ridículo na final contra o Atenas. Enquanto isso, o interior paulista, antiga reserva de qualidade do esporte, agoniza. Rio Claro e São José já desapareceram do mapa, e Franca está na corda-bamba.

5) Como você avalia o trabalho de renovação, que parece agonizar na maioria dos clubes? Por que Arcor/Santo André e BCN/Osasco são raras exceções no universo do monta/desmonta, patrocina/ não patrocina do basquete feminino nacional?


A lapidação de jogadores é um processo lento e custoso. A maioria dos patrocinadores do esporte de competição não quer assumir esse compromisso. Veja o caso do Flamengo. Para quê revelar talentos? Se o objetivo é só fazer espuma, emplacar na mídia, o melhor é mesmo tomar o atalho e contratar craques. Caberia, sim, à CBB organizar seus torneios, no sentido de coibir a "predação" _ou pelo menos regulamentá-la, vinculando-a, para valer, à formação de equipes de base. Santo André e Osasco são exceções porque formaram parcerias com contexto comunitário. Isso deveria ser incentivado de alguma forma, a meu ver.

6) Que avaliação você faz do Campeonato Nacional Feminino? Por que será que é tão difícil contar com boas equipes em outros Estados, que não São Paulo?

O Nacional feminino tem o mérito de ser equilibrado. Há três equipes (quatro, no papel) com chances de título. Na minha opinião, ele não cresce territorialmente por dois motivos: 1) o número de praticantes (federados) é baixo, e está caindo; e 2) não há mercado publicitário para viabilizar equipes competitivas fora do Sudeste.

7) Será que o basquete feminino pode mimetizar o que aconteceu com o masculino, passando a receber atenção dos grandes clubes cariocas?

Pode ser que sim. Mas tomara que, se isso ocorrer, não acabem implodindo a estrutura de um Santo André, por exemplo. Eu posso estar errado, mas aposto que a saída de Janeth mataria o projeto da cidade. Basta lembrar o que ocorreu com o ABC, que brilhou com o vôlei na década de 80 em parceria com a Pirelli e que, embora tivesse uma boa estrutura de formação de jogadores, definhou tão logo os craques migraram para outros clubes.

8) Quais as suas expectativas para a participação em Sydney?

A Olimpíada vai ser sensacional, porque há muitos times em condição de alcançar o pódio. EUA e Austrália estão num primeiro escalão. Num patamar inferior, aparecem Rússia, Cuba, Eslováquia, França e Canadá. Onde está o Brasil? Em termos de conjunto técnico e talento, no primeiro; em maturidade e organização tática, no segundo. Resta saber o que vai prevalecer.

9) A vitória sobre os Estados Unidos, no Rio de Janeiro, te assustou? Acha que foi uma reafirmação das nossas possibilidades de medalha?

A vitória não assustou, não. E, mais do que uma reafirmação das chances nacionais de medalha, ela plantou uma importante semente "psicológica" para Sydney. Com certeza, as americanas estarão com o resultado atravessado na garganta na Olimpíada. E isso pode desequilibrá-las emocionalmente.

10) Em uma de suas colunas, você comentou como a despedida de Paula deixava a armação brasileira vazia, pois Helen, Claudinha e Silvinha estão ainda em amadurecimento. Não acha que nas alas a situação é a mesma? Numa ponta, Janeth está soberba. Na outra, o panorama ainda é indefinido.

Sim, a situação nas alas é similar. O problema é que a posição de armadora é, pela natureza do esporte, bem mais importante para o sucesso da equipe.

11) Você acha que a ida de Janeth para a WNBA neste ano olímpico pode complicar o caminho da seleção para o pódium?

Tratando-se de Janeth, não creio que atrapalhe. A ala já sabe tudo sobre as companheiras e sobre o dia-a-dia de competições de ponta. O exílio seria ruim, sim, no caso de atletas que ainda precisem "assumir" a seleção, como a Helen.

12) O que você achou da declaração do técnico da seleção Antônio Carlos Barbosa e do assistente Paulo Bassul à FOLHA da última semana antecipando o favoritismo de Helen, Janeth, Marta, Alessandra, Cíntia Tuiú, Leila, Claudinha, Silvinha, Kelly e Adriana às vagas olímpicas?

Barbosa não contou nenhum segredo. Não acho que seu anúncio vá desestimular ninguém. Desse grupo "garantido", só a Kelly é novata e poderia acomodar _o resto já tem cancha de seleção.

Obrigado pela entrevista. Um abraço.

Outro!